A Casa da Porta Azul
- Angela Ponsi
- 9 de dez.
- 3 min de leitura

Havia, no alto de uma colina discreta de uma cidade qualquer, uma casa tão pequena que parecia ter sido construída com o cuidado de quem molda um ninho. A casa tinha apenas duas janelas, uma porta azul e um quintal que, dependendo do humor do dia, era jardim ou deserto.
Ninguém sabia ao certo quem morava ali, até que, numa manhã silenciosa, chegou Aurelia, trazendo consigo uma mala leve, um pincel, dois livros, um caderno e um desejo tão antigo quanto a sua própria infância: pertencer apenas a si.
Aurelia não fugia de ninguém — fugia das vozes internas que insistiam em lembrá-la das vidas que tentou carregar, dos mundos que tentou salvar, das pessoas que tentou agradar mesmo quando sangrava. Ela vinha de muitas casas, muitas histórias, muitas relações em que seu valor parecia sempre menor que seu esforço. Vinha cansada. E desperta.
Ao abrir a porta da casa pela primeira vez, Aurelia percebeu que ela não era vazia — estava cheia de silêncio. Um silêncio bom, que não pedia nada, que não julgava, que não exigia sorrisos, nem força, nem doçura. Um silêncio que cabia inteiro em seu peito.
Ela colocou sua mala no chão e, finalmente, respirou como quem volta de um mergulho muito profundo.
Nos dias seguintes, Aurelia organizou a pequena casa como quem organiza a alma: devagar, com acolhimento, com rituais. No quarto coube um futon; na sala, suas tintas; na cozinha, um bule de porcelana lascado herdado da avó. No canto mais claro da casa, ela colocou uma almofada e chamou aquele pedaço de chão de “meu templo”.
E então descobriu que, ali, não precisava ser forte o tempo todo. Podia ser suave. Podia ser cansaço. Podia ser dúvida. Podia ser arte.
À noite, quando acendia uma vela, a casa parecia crescer a ponto de se tornar um universo — um universo feito de autonomia, simplicidade e dignidade. Um universo onde ninguém a diminuía, onde nenhum amor a mendigava, onde nenhum olhar a colocava para baixo. E onde, pela primeira vez, a dependência não existia.
A vida, do lado de fora, continuava barulhenta. Havia pessoas que pediam demais, homens que ouviam de menos, clientes que drenavam energia, dores antigas que voltavam como sombras, culpas herdadas, memórias de abandono. Mas, dentro da casa, Aurelia era inteira. Inteira o suficiente para saber que amar não significava se diminuir.
Certo dia, sua filha — Alma, de olhos ternos e sensibilidade cortante — veio visitá-la. Ao entrar na casa, Alma disse:
— Mãe, aqui você parece maior.
Aurelia sorriu. Não porque era verdade, mas porque nunca alguém havia dito isso antes. E, naquele instante, percebeu que sua autonomia não a afastava da filha: a fortalecia.
A casa, pequena por fora, tornava-se imensa por dentro quando Alma estava lá. Às vezes ela ficava; às vezes, não. Nada era obrigação. Tudo era escolha. Tudo era amor que não cobra explicações.
Com o tempo, Aurelia adotou um gato ruivo chamado Brasa. E também adotou uma vida que não precisava pedir permissão para existir. Dançava na sala quando queria, escrevia quando queria, calava quando precisava. Vivia dentro do próprio ritmo, como quem finalmente descobre a música que sempre tocou dentro de si.
E, em dias de coragem, Aurelia pensava:
"Não sou pequena. Só estive em casas que não tinham o tamanho da minha alma."
A casa na colina nunca foi um lugar de fuga. Foi um lugar de renascimento.
E Aurelia, pela primeira vez, não se sentiu inútil, nem dependente, nem invisível.
Sentiu-se suficiente.
Porque finalmente tinha construído — no mundo e dentro de si —
um lar onde não precisava pedir licença para ser quem era.
Angela Ponsi
A Mulher que Sonha
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